Eu gosto de narrativas ficcionais bem inspiradas na realidade- paradoxo literário porque ficção seria a não realidade. Enfim...
Não falo do romance histórico; acho alguns meio monótonos; não curto ficção que exagera na precisão de datas, nomes de lugares, fatos...
Aprecio tramas bem mundanas, humanas no sentido bom e no perverso também, com personagens "podres", maliciosos, melancólicos, irônicos, sarcásticos, cruéis consigo mesmo; verdadeiros "losers".
Muitos destes protagonistas são escritores mais velhos, de meia idade, desapaixonados já da vida, em busca de sentidos para uma vivência já desgastada; Erotizados, observam e analisam a vida sob uma perspectiva de quem já passou por tudo; ou correm atrás da vida, atrás do tempo, atrás do que realmente importa, atrás da recuperação das coisas que foram significantes, ou simplesmente enxergam a vida com tédio e enfado, glamorizam a própria infelicidade, colocando-se no topo do ranking dos seres humanos inúteis, que perderam completamente a moral.
São assim algumas obras de Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna, Philip Roth, João Gilberto Noll, entre vários outros. Estes foram os que li. Escritores maravilhosos que constroem personagens tão profundamente humanos, tão fodidos na vida, tão perdidos nos acontecimentos, tão sufocados, tão filósofos de boteco...
tão fascinantes...
Acabo de ler mais um livro desse gênero de personagem: "tô fudido mesmo então só me resta contemplar, reclamar e trepar". Histórias banais relatadas por um protagonista totalmente "flâneur" fazem o leitor imaginar como seria viver em uma Havana quente, pobríssima e fétida. "O insaciável homem-aranha" (Cia das Letras, 2004), do cubano Pedro Juan Gutiérrez é ficção subversiva, com linguagem ferina,suada, obscena, livre.... Pode chocar os mais românticos. Pode perturbar.
A orelha do livro já sinaliza o perfil do contador de histórias: Flâneur sem vintém, erotômano assumido, seu narrador astuto e vertiginoso arrisca-se com estes relatos num percurso interior em que a literatura é seu guia e também sua perdição. O resultado é um livro desconcertante sobre uma situação extrema em que todos estão despidos de quase tudo e em que o sexo e o desregramento são o veículo do cinismo, da degradação, do heroísmo e da vontade de sobreviver.
Em meio a um ambiente hostil - uma cidade sufocada pelo calor, um apartamento de oito andares sem elevador, um casamento já fracassado, uma vida limitada pela falta de dinheiro - o protagonista tenta sobreviver, buscando o sexo e o entopercimento - muito rum - para passar os dias.
A Havana de Gutiérrez é a Havana de Gutiérrez, pois se trata de uma ficcção. Não cabe a mim como leitora questionar os relatos, duvidar da construção da narrativa. O que importa é que o contexto político-social presente nesta cidade, no ambiente, nos vizinhos, nas pessoas com quem este narrador se relaciona ou convive o atingem diretamente e acompanham seu estado permanente de angústia, de divagação, de mau humor, de degradação...
"É evidente que abandonei a infância há tempo demais. Estou transformado em O ADULTO HOMEM-ARANHA. Sem imaginação, sem senso de humor. Se me fizerem um teste psicológico seguramente vão encontrar grandes doses de veneno nas glândulas dos meus caninos. Desejos insatisfeitos de assassinar e bater, e uma sexualidade excessiva. Com cinquenta anos devia ser mais realista e equânime. O sexo me tortura".
É claro que o narrador-escritor atormentado, cansado da vida, despuradorado ou mesmo tarado, não é uma novidade na literatura. Essa narrativa metalinguística, de desabafo, que nos faz confundir narrador com escritor, é construída das formas mais diversas pelos mais diferentes autores.
O sujeito desregrado de "O insaciável homem-aranha" - escrito em primeira pessoa do singular - pega o leitor pela mão e o convence a mergulhar junto em suas delírios e fantasias, provoca requintada imaginação ao descrever os ambientes, as pessoas, as situações; faz o leitor identificar-se com os sentimentos e pensamentos que tratam de estados físicos, afetivos e emocionais, de relações humanos, de modelos sociais...faz o leitor pensar como o ser humano é complexo, bizarro, estranho...
Respeito o puro entretenimento, mas Literatura pra mim tem que perturbar, mexer com o íntimo...e Gutiérrez conseguiu fazer isso comigo.
Não falo do romance histórico; acho alguns meio monótonos; não curto ficção que exagera na precisão de datas, nomes de lugares, fatos...
Aprecio tramas bem mundanas, humanas no sentido bom e no perverso também, com personagens "podres", maliciosos, melancólicos, irônicos, sarcásticos, cruéis consigo mesmo; verdadeiros "losers".
Muitos destes protagonistas são escritores mais velhos, de meia idade, desapaixonados já da vida, em busca de sentidos para uma vivência já desgastada; Erotizados, observam e analisam a vida sob uma perspectiva de quem já passou por tudo; ou correm atrás da vida, atrás do tempo, atrás do que realmente importa, atrás da recuperação das coisas que foram significantes, ou simplesmente enxergam a vida com tédio e enfado, glamorizam a própria infelicidade, colocando-se no topo do ranking dos seres humanos inúteis, que perderam completamente a moral.
São assim algumas obras de Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna, Philip Roth, João Gilberto Noll, entre vários outros. Estes foram os que li. Escritores maravilhosos que constroem personagens tão profundamente humanos, tão fodidos na vida, tão perdidos nos acontecimentos, tão sufocados, tão filósofos de boteco...
tão fascinantes...
Acabo de ler mais um livro desse gênero de personagem: "tô fudido mesmo então só me resta contemplar, reclamar e trepar". Histórias banais relatadas por um protagonista totalmente "flâneur" fazem o leitor imaginar como seria viver em uma Havana quente, pobríssima e fétida. "O insaciável homem-aranha" (Cia das Letras, 2004), do cubano Pedro Juan Gutiérrez é ficção subversiva, com linguagem ferina,suada, obscena, livre.... Pode chocar os mais românticos. Pode perturbar.
A orelha do livro já sinaliza o perfil do contador de histórias: Flâneur sem vintém, erotômano assumido, seu narrador astuto e vertiginoso arrisca-se com estes relatos num percurso interior em que a literatura é seu guia e também sua perdição. O resultado é um livro desconcertante sobre uma situação extrema em que todos estão despidos de quase tudo e em que o sexo e o desregramento são o veículo do cinismo, da degradação, do heroísmo e da vontade de sobreviver.
Em meio a um ambiente hostil - uma cidade sufocada pelo calor, um apartamento de oito andares sem elevador, um casamento já fracassado, uma vida limitada pela falta de dinheiro - o protagonista tenta sobreviver, buscando o sexo e o entopercimento - muito rum - para passar os dias.
A Havana de Gutiérrez é a Havana de Gutiérrez, pois se trata de uma ficcção. Não cabe a mim como leitora questionar os relatos, duvidar da construção da narrativa. O que importa é que o contexto político-social presente nesta cidade, no ambiente, nos vizinhos, nas pessoas com quem este narrador se relaciona ou convive o atingem diretamente e acompanham seu estado permanente de angústia, de divagação, de mau humor, de degradação...
"É evidente que abandonei a infância há tempo demais. Estou transformado em O ADULTO HOMEM-ARANHA. Sem imaginação, sem senso de humor. Se me fizerem um teste psicológico seguramente vão encontrar grandes doses de veneno nas glândulas dos meus caninos. Desejos insatisfeitos de assassinar e bater, e uma sexualidade excessiva. Com cinquenta anos devia ser mais realista e equânime. O sexo me tortura".
É claro que o narrador-escritor atormentado, cansado da vida, despuradorado ou mesmo tarado, não é uma novidade na literatura. Essa narrativa metalinguística, de desabafo, que nos faz confundir narrador com escritor, é construída das formas mais diversas pelos mais diferentes autores.
O sujeito desregrado de "O insaciável homem-aranha" - escrito em primeira pessoa do singular - pega o leitor pela mão e o convence a mergulhar junto em suas delírios e fantasias, provoca requintada imaginação ao descrever os ambientes, as pessoas, as situações; faz o leitor identificar-se com os sentimentos e pensamentos que tratam de estados físicos, afetivos e emocionais, de relações humanos, de modelos sociais...faz o leitor pensar como o ser humano é complexo, bizarro, estranho...
Respeito o puro entretenimento, mas Literatura pra mim tem que perturbar, mexer com o íntimo...e Gutiérrez conseguiu fazer isso comigo.