quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Cidade de luto: Santa Maria, 27 de janeiro de 2013. #tragédiaboatekiss

Sofrimento coletivo, tristeza, perplexidade, horror!
Santa Maria vive a dor...

Na minha cidade, onde eu moro há 14 anos, onde eu me formei, onde eu trabalho, onde eu tenho tantos amigos, morreram 231 jovens em uma noite só. Era dia 27 de janeiro de 2013. Data que jamais será esquecida por todos nós que moramos e temos família aqui e por todos que tem alguma ligação com a cidade.

Cidade universitária, das festas, das junções,dos bares e das boates, onde a noite é movimentada, onde os jovens se reúnem também na rua, para se encontrarem, beberem, festejarem...
Nessa cidade de oito universidades, de vida noturna intensa, de juventude, uma tragédia assim choca, traumatiza, fere profundamente a alma de todos. Santa Maria está devastada desde domingo.


Em torno de cinco horas da madrugada do dia 27 recebi uma ligação da minha irmã, perguntando desesperadamente se eu estava em casa, pois um grande incêndio estaria ocorrendo em uma boate da cidade. Depois de tranquilizá-la, fui ao Facebook onde já estavam sendo divulgadas algumas mensagens que falavam em 20 mortos, e liguei o rádio que já transmitia informações da frente da Boate Kiss. Ao longo do dia, ouvir o rádio se tornou assustador. Perto das 10 da manhã, o rádio já informava que o número de vítimas fatais passaria de cem.
Foto: Jornal A Razão
Com terror, ouvimos que os mortos eram 231. Feridos passam de cem. Meu irmão, que trabalha no SAMU fez um relato do horror. Ele foi um dos primeiros a chegar para prestar o socorro. Ao chegar em casa, depois de horas de atendimento aos feridos, Pedro sentou no sofá e chorou muito. Médico jovem com alguns anos de profissão, conta que não será mais a mesma pessoa depois de enxergar tantos mortos na sua frente, tanta gente desesperada...tanto horror...O socorro às vítimas foi feito da melhor forma possível com centenas de pessoas engajadas no atendimento. Dezenas de médicos, enfermeiros e outros profissionais deixaram suas casas para irem aos hospitais atender aos feridos.

Incrédula ainda, passei o domingo ouvindo na rádio, na internet ou vendo televisão em busca de informação, de notícias, de explicações para tamanha tragédia. Chocada e perplexa, não conseguia me mover muito, sair desse estado de pavor pra fazer algo concreto. A solidariedade e compaixão das pessoas daqui foram incríveis. Cheguei a ir ao CDM - onde estava ocorrendo a identificação dos corpos e os velórios coletivos - no final da tarde de domingo. Levei mantimentos requeridos, fui me cadastrar como voluntários, mas não havia necessidade de mais pessoas. Havia muita gente por lá ajudando e confortando as pessoas.

Todo mundo seu as mãos e vivem juntos a dor. A sensação é de que isto não está acontecendo. Parece um pesadelo difícil de acreditar, que vai passar logo. Mas a realidade é dura, é cruel, é absurda e inexplicável. Aconteceu, sim! 236 (até o dia 01/02) vítimas do incêndio na boate. Perplexidade e horror que nos fazem buscar informações e notícias a todo momento.

Na segunda-feira à tarde, pessoas rezavam em culto ecumênico organizado na Praça. Pela noite, a caminhada do luto, chamada pelo facebook, mobilizou 35 mil pessoas. Vestidos de branco, com faixas pedindo justiça, fotos, flores, balões e lanternas, a multidão saiu da Praça e foi até o CDM rezando e batendo palmas em intervalos de minutos. Silêncio, tristeza no rosto das pessoas, indignação, incompreensão diante de um fato tão brutal e inaceitável.

Foi surreal perceber a presença da imprensa nacional e internacional na minha cidade. Foi surreal acompanhar os telejornais com âncoras apresentando a edição ao vivo, da frente da Boate Kiss. Fotógrafos, câmeras por todos os lados, repórteres falando em outras línguas...Gente!! Isso está acontecendo em Santa Maria? era o que eu me perguntava o tempo todo, ainda tentando compreender uma realidade difícil de aceitar como verdadeira.

Na terça-feira, jovens organizaram um protesto por justiça. Com saída da Câmara de Vereadores, o grupo, formado por quase 400 pessoas, foi até a Prefeitura cobrar medidas e gritar por justiça. Enquanto a mobilização ocorria, a Prefeitura concedia entrevista coletiva a imprensa local, nacional e internacional. Os últimos dias tem sido de explicações e entrevistas em quantidade da Prefeitura, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros...Todos anseiam pela apuração das responsabilidades! É hora de apontar culpados. Depois do choro, da comoção, da dor da perda, vem a revolta, a raiva, a indignação e a busca pela justiça.

Foto: Zero Hora
Na quarta-feira, em direção ao centro da cidade, passei pela rua da Boate, ainda interditada para circulação de veículos. Flores, cartazes e faixas cobrem o chão...pessoas rezam e prestam homenagens. Sentada no chão, uma mãe gritava pela filha enquanto era assistida por dezenas de populares, fotografada e filmada pelas redes de televisão que fazem vigília no local.

Foto: jornal A Razão
Comoção, comoção, comoção, muito estimulada, é claro, pela cobertura midiática. Enquanto alguns veículos divulgam matérias sérias, que tentam transmitir a todos o horror relatado, outros exploram a tragédia da forma mais grotesca possível. Impossível não haver sensacionalismo de algumas emissores em casos como este. É muita ânsia pra divulgar informações, muita gente tentando investigar e recolher informações confiáveis...Difícil filtrar, compreender e formular conclusões com tanta notícia sendo produzida o tempo todo. Difícil escolher no que confiar realmente...No Facebook, se debate sobre a mídia, se aponta o dedo e se critica. O mundo se volta para cá e fala sobre a cidade.

Como eu disse, parece um pesadelo sem fim. A cidade está triste, ninguém sai na rua. O silêncio só foi um pouco quebrado na noite de quarta-feira, com o jogo do Grêmio. Parece que felicidade virou constrangimento, que qualquer tipo de festejo virou desrespeito às vítimas, a música não faz mais parte do cotidiano.
Um profundo abatimento caiu sobre Santa Maria depois da tragédia. Só se fala nisso, só se conversa sobre isso, só se pensa nisso, e só se vive isso de uma forma ou de outra.

Arco da UFSM: #LUTO

O recomeço vai ser difícil. Os desdobramentos começam a afetar a todos. Cancelamento de festas de carnaval, de shows, de festas...Na quinta-feira a Prefeitura cumpriu o decreto anunciado e fechou quase todos os bares e estabelecimentos noturnos da cidade com a justificativa de verificar a situação dos alvarás. Não quiserem saber se estavam regulares ou não. Todos os lugares de divertimento foram fechados. Na busca pela resposta e ação imediata, tão cobrada pela sociedade, a Prefeitura se desespera e acaba cometendo arbitrariedades que afetam e prejudicam a todos.

O recomeço vai ser muito difícil. As aulas na Universidade, que perdeu mais de cem alunos, iniciam segunda-feira em clima de tristeza e comoção.
Muito lentamente, se tenta voltar a uma normalidade sabendo que talvez a vida por aqui nunca mais volte a ser como antes.
E isso tudo aconteceu tão perto de mim...
E é isso mesmo. Nada será como antes. O luto é temporário e seu fim é também necessário para o seguir adiante, mas esse fato tão triste e devastador vai ficar na memória de todos.



#forçaSantaMaria