terça-feira, 9 de abril de 2013

Brincando de dar aula em escola pública - divagações sobre a curta passagem pelo magistério

Demorou anos, mas eu consegui me formar em Letras na Universidade Federal de Santa Maria. Um curso que foi muito importante pra minha formação. Quando ingressei no curso, a intenção era me aprofundar no estudo da língua portuguesa e aprender línguas estrangeiras. Foi a saída que encontrei para não ter que pagar por cursos particulares de línguas; mas é claro que não foi só isso o motivo. Meio aos trancos e barrancos, consegui fazer as mil disciplinas e exigências do curso. Poderia ter sido melhor, sim. Fiz o curso de Letras ao mesmo tempo que cursava Jornalismo e depois ao mesmo tempo em que trabalhava. Sufoco puro e a sensação de que não me dediquei, não estudei o suficiente, enfim, não aproveitei o curso. Consegui me formar em Letras Português- Inglês em 2007. Não me arrependo de ter parado com outras atividades pra conseguir concluir essa graduação. Sempre digo que o curso de Letras, pelo menos na UFSM, não é tão difícil de entrar, mas é dificílímo de sair, de se formar. Tive que ralar!

Com esta licenciatura, pude me inscrever no concurso do Magistério em 2012. Sem pensar muito, sem muita vontade de ter uma carreira como professora do Estado, sem estudar, fui fazer a prova e acabei sendo chamada em novembro para assumir o cargo. A única experiência docente em escola que eu tinha tido foi no estágio curricular das Letras em que dei aulas de português para uma turma de ensino médio e inglês para uma 8ª série.  E foi em dupla.

O Pilar é uma escola bem legal!


Enfim, totalmente perdida, no meio do mês de novembro, final do ano letivo, assumi uma turma do terceiro ano, para lecionar português (tranquilo) e SEIS turmas de primeiro ano para lecionar literatura na Escola Coronel Pilar (FOTO), em Santa Maria. Aí foi punk!. Mal me apresentaram a escola. Não me explicaram a política pedagógica. Muita simpatia mas orientação zero. As turmas de literatura ficaram quase 3 meses sem aula da disciplina e estavam há 2 ou 3 semanas tendo aula com uma professora que, como uma das atividades principais, passou o filme "Tudo sobre minha mãe" para eles. Pois é! O quadro não era nada animador. Eu teria somente um mês de aula e uma avaliação trimestral pra fazer.

O que se pode fazer em uma hora/aula por semana de literatura? quase nada...Os alunos não quiseram fazer nada relacionado com o filme. Relataram que não gostaram, não entenderam... Bom, eu não os culpo porque se fosse eu não teria passado este tipo de filme pra eles, apesar da achar excelente esse longa do Almodóvar.
não é lá o melhor filme pra passar pra adolescentes...

Imaginem cada turma com vinte e poucos alunos de 14 a 16 anos enfiados numa sala de aula quente em pleno novembro e dezembro! Fim dos tempos!!!!
Fiz uma breve consulta pra saber o que eles estava lendo. Pouca coisa de bom saiu. A maioria respondeu que não gostava de ler, o que já era uma resposta esperada. Eles adoram dizer coisas que odeiam.
Dar outra leituras? que jeito, não tinha tempo pra isso. Além do mais, no início do ano, eles já haviam recebido a tarefa de ler um livro. E foi um sufoco, pelos relatos que deram. Então trabalhei um pouco com figuras de linguagem, dando continuidade ao que a professora anterior estava abordando e fiz eles escreverem uma narrativa de tema livre. Foi interessante ler os textos. Alguns horríveis, outros meia boca, outros excelentes. O imaginário deles é muito engraçado e com frequência reflete o imaginário senso comum. Li muitos textos sobre histórias de amor, relacionamentos juvenis, encontros e desencontros dos pares românticos, amor pra vida toda, amores impossíveis, a morte. Notei também muita coisa da vida deles naqueles textos, histórias sobre ir a escola, sobre amizades e familiares.  Poucos se aventuraram no sobrenatural, no absurdo, na invenção de situações inusitadas.

Tentava pensar sobre o que é o espaço de uma sala de aula. É um mundo complexo de diversidades, de individualidades, intenções e corpos muito diferentes, tudo isso junto num mesmo espaço fechado, quadrado, sufocante! é maluquice!
Mas tive ótimos momentos com os alunos. Aliás, os momentos mais interessantes foram as conversas com eles, antes, durante e após a "aula". Entrar um pouquinho no mundo deles, ouvi-los e observá-los é bom demais!
adolescente reclama demais!
Fiquei na Escola de 13 de novembro até 27 de fevereiro. Aulas mesmo só até metade de dezembro. Pouco tempo sim, mas o suficiente para eu me dar conta do mundo louco, louco mesmo, que é a escola. Há algum tempo se fala em interdisciplinaridade, temas transversais, integração das matérias, mas acredito que estes processos ainda não se concretizam na maioria das escolas públicas do Estado. Infelizmente, o currículo por disciplinas ainda domina. E os professores também não estão preparados e dispostos a realizarem projetos que integrem sua área com a de seus colegas.

A avaliação continua sendo por nota, focada em resultados, provas, trabalhos, desempenho. A avaliação que considera o processo de aprendizado do aluno ainda não é praticada. E é difícil de exercê-la. Creio que a avaliação ainda é um dos principais problemas, uma zona de conflito permanente, e uma das maiores polêmicas quando se trata de ensino. Muitas escolas não estão dispostas a discutir métodos diferenciados de avaliação. Muitos professores querem continuar com seus métodos arcaicos, massivos, mais fáceis de concluir e resolver, como as provas. Algumas escolas só mudam as formas de avaliação quando pressionadas pelas instâncias superiores, que é o que tem ocorrido agora.

Uma das "novidades" dos currículos agora são as tais áreas de conhecimento. A avaliação dos alunos está sendo feita de acordo com estas áreas. Não tenho muita certeza, mas acho que são 4: Linguagens, Ciências da Natureza, Matemática e Artes.  O aluno só repetiria o ano se reprovasse em mais de duas áreas.
Uma das novas orientações da Secretaria de Educação é a realização dos tais seminários integrados na escolas. Não entendi bem, mas seriam atividades interdisciplinares, com integração entre os conteúdos
Em fevereiro eu fui num Encontro (FOTO) de "formação" da 8ª Coordenadoria Regional de Educação. Alguns pontos levantados foram interessantes, mas pouco se aproveitou o momento em que todos os novos professores estavam reunidos, para discutir coisas realmente relevantes.  Não ficou nada clara pra mim a proposta pedagógica do governo do Estado.

Encontro de 'formação' da 8ª CRE: muito papo e pouco clareza na proposta de educação

Observei a quantidade de professores jovens que estão assumindo. Espero que eles levem novas ideias, propostas e metodologias às escolas. Encontrarão resistência, sim, mas isso faz parte e não impede que estes professores mexam um pouco com a estrutura estanque e quadrada de muitas escolas.

Enfim que esta experiência docente, mesmo que rápida, foi importante pra eu conhecer um pouco mais do mundo escolar, pra eu entender da estrutura pública de educação.
Foi uma experiência meio angustiante, mas também agradável e divertida!


segunda-feira, 11 de março de 2013

8 de março: Santa Maria recebe a Lola

Ela já sofreu ameças de processo do jornalista Marcelo Taz e do filósofo e sociólogo Olavo de Carvalho simplesmente porque publicou suas opiniões no blog "Escreva Lola Escreva". Dolores Aronivich, a Lola, esteve em Santa Maria no dia 8 de março para participar da programação do Dia da Mulher. A palestra foi uma iniciativa da Assufsm, NEMGeP (Núcleo de estudo sobre mulheres, gênero e políticas públicas do curso de Enfermagem da UFSM) e Marcha das Vadias de Santa Maria. 


Aula pública com Lola ocorreu na Antiga Reitoria 

Devido ao mau tempo, a atividade, que estava programada para ocorrer na Praça Saldanha Marinho, foi transferida para uma sala da Antiga Reitoria. O tema da aula pública era "8 de março: o que comemorar?". Para Lola, o institucionalizado dia da Mulher é um dia de luta, de protesto, mobilizações e palestras, por isso é que se faz a crítica a campanhas e propagandas que associem à mulher aos velhos clichês e estereótipos femininos como fez a Prefeitura de Porto Alegre. "É importante não deixar que o capitalismo pegue a data para si", alertou. 
E isso é o que mais se vê no 8 de março, as instituições, empresas e sociedade de modo geral se apropriando da data mercadologicamente, sem problematizar, sem refletir, sem fazer qualquer referência à história de luta que origina a data. “Comemoramos esta data há mais de cem anos e as origens dela vem de uma luta, de um protesto operário”, afirmou Lola. Em 1911, uma fábrica têxtil foi incendiada em Nova York matando 149 mulheres que protestavam por melhores condições de trabalho. A partir deste fato, o dia da mulher, 8 de março, passou a ser celebrado mundialmente.

Lola, professora e blogueira, fez um breve histórico sobre a luta feminista no Brasil, relembrando a conquista do voto feminino (que no Brasil fez 80 anos em 2012), a lei do divórcio (1977), as delegacias da Mulher (a primeira foi inaugurada em SP, em 1985), o surgimento da pílula anticoncepcional, entre outros fatos que mudaram a vida das mulheres. Entre outros episódios marcantes, o lançamento, em 1949, do livro "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir, e a ideia de que não se nasce mulher, mas torna-se uma. Também nos anos 60 tiveram inícios as discussões sobre os papéis de gênero como construções sociais e não como algo determinado geneticamente ou naturalmente.

Lola destacou ainda que a ciência sempre foi uma aliada do conservadorismo e que a psicologia evolucionista, por exemplo, reforça estereótipos e justifica comportamentos machistas; “É este tipo de ciência que até hoje tem lugar na mídia. Infelizmente hoje estamos muito próximos ao conservadorismo dos anos 80”.



Violência - Lola forneceu dados que mostram o alto índice de violência que ainda atinge as mulheres. Sete em cada dez mulheres no mundo são vítimas de violência física, o que pode ser considerado uma pandemia. No Brasil, nos últimos quatro anos, o registro de estupro cresceu 157%, número que é assustador, mas que ao mesmo tempo sinaliza o aumento das denúncias registradas. Segundo ela, os índices de feminicídio - termo que a mídia e as autoridades evitam - são ainda muito altos, pois mais de 4 mil mulheres são assassinadas no Brasil a cada ano; 28% dos assassinatos no Brasil ocorrem dentro da casa destas mulheres vítimas; 5 mulheres são agredidas fisicamente a cada dois minutos no Brasil.

Além disso, no Brasil, as mulheres ainda vivem numa sociedade que paga 30% menos do que em relação aos homens. Nas cem maiores empresas do país, apenas 5% são comandadas por mulheres. Se o cálculo for em cima das 450 maiores empresas, este número cai para 3%.


Denúncias de violência aumentaram no País, mas número de vítimas ainda é alto


Conquistas - Lola citou como conquista importante das mulheres a Lei Maria da Penha, considerada uma das melhores leis do mundo de proteção às vítimas de violência. As denúncias vem aumentando pelo  número 180. Além disso, ela também citou o bolsa-família como outra conquista importante para a redução da desigualdade de gênero. Como blogueira que trata os direitos da mulheres entre seus principais temas de escrita, Lola ressaltou ainda que as redes sociais são poderosos instrumentos de mobilização e de voz dos movimentos sociais.

Mesmo com alguns avanços na legislação, como a lei Maria da Penha, Lola ressalta que há muitas coisa que não depende de leis para mudarem; "É a família, os nossos preconceitos, há muita coisa que depende de nós mesmas, fazendo um serviço de forminguinha conversando, debatendo, tomando os espaços."


Lola também participou de atividades de formação feminista junto com movimentos da UFSM e Marcha das Vadias

No cenário político, Lola criticou o governo Dilma em relação ao debate sobre o aborto. Para ela, o governo ignora o assunto e se omite a fim de não comprometer alianças e evitar problemas com vários setores da sociedade que são contra a descriminalização. "Não houve debate na campanha de 2010, mas uma condenação do aborto".  

Lola ainda destacou que, apesar de achar problemático o nome, a Marcha das Vadias é uma mobilização importantíssima principalmente pela quantidade de jovens que vem agregando. Ressalvou que a Marcha ainda carece de mais comunicação com a sociedade, até para que ela não se confunda com o movimento Femen  considerado por ela como apolítico. "A mídia dá muito espaço para o Femen e associa o movimento como única forma de feminismo, o que é ruim".
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Da fala de Lola e das perguntas e manifestações do público, que se seguiu, ficou a certeza da necessidade e importância de, para além do dia 8 de março, realizar discussões e mobilizações sobre as questões de gênero, os direitos da mulher e o combate à violência.

E sobre o 8 de março, aqui vai um texto interessante. A Revista O Viés também publicou uma entrevista com a blogueira.

Ainda bem que o Brasil tem uma Lola, que corajosamente, escreve sobre temas fundamentais no seu blog. Lola escreve de forma séria, contundente, e com muita propriedade; ao mesmo tempo, mantém em seus textos uma leveza e um bom humor que com certeza a ajudam a suportar os seus trolls e leitores agressivos, sempre presentes nos comentários de suas postagens.

Escreva, Lola, Escreva.

Tragédia da Kiss: olhares sobre a cobertura da imprensa

Sempre me considerei uma pessoa crítica em relação à imprensa. Desde a época da Faculdade e até um pouco antes procurava exercer um olhar que acho fundamental a todos, mas principalmente ao jornalista: não acreditar em tudo que lhe vem à frente, desconfiar das versões e das narrativas construídas, pensar no não-dito das matérias.  Para mim, a crítica é ação essencial no Jornalismo. E ela não precisa necessariamente ser direta, em forma de opinião pessoal, não deve ser meramente acusatória ou leviana. Ela pode e deve sustentar-se em outros fatos, outros relatos, outras visões sobre um acontecimento. Ela não advém somente da oposição, da contradição, do simples ato de avacalhar alguma coisa. Trata-se de simplesmente olhar de outra forma, ir além do que se vê.

A gente vai alterando em nós mesmos esse conceito de crítica e a forma de exercê-la a partir do amadurecimento e das leituras. Sim, admito que já fui mais rebelde em relação ao meu senso crítico. Continuo ainda com muitos impulsos de fazer uma crítica fácil. Eu e todo mundo, aliás. Porém, depois que a gente trabalha em alguns lugares e se aprofunda um pouco mais no estudo das dinâmicas jornalísticas, percebemos que é mais complicado do que parece, que existe toda uma lógica de funcionamento da imprensa envolvendo profissionais, empresas e público, agentes esses que engendrados produzem materiais com conteúdo sensacionalista ou apelativo.

Digo tudo isso porque faz tempo que desejo escrever sobre os comentários e afirmações de que parte da cobertura feita pela imprensa em relação à tragédia da Kiss foi sensacionalista. O sensacionalismo da mídia sempre foi algo difícil de se discutir e de se chegar a um consenso. Meu olhar como jornalista difere do olhar do cidadão. Então é claro que minha opinião sobre sensacionalismo está totalmente contaminada pelo meu sujeito jornalista. Sobre este caso específico, importante trazer aqui os questionamentos e as reflexões da professora da UFSM, Márcia Amaral, a respeito do tema:

"O que o jornalismo pode fazer no ápice de acontecimentos trágicos, senão relatar o trágico? E quando deixa de informar e passa a fazer sensacionalismo? Não me refiro a casos extremos, como foi o do programa Balanço geral, da Record que simulou, ao vivo, com gelo seco, o cenário do incêndio, enquanto chamava o repórter direto da cena da tragédia. Nem trato de iniciativas com o fim exclusivo de aumentar a audiência ou os índices de leitura, como foi o caso da revista Época, cuja capa sobre o incêndio foi escolhida pelos curtidores do Facebook. Refiro-me a aspectos constitutivos do jornalismo informativo diário que dizem respeito às rotinas produtivas, à percepção do que é notícia e à narração de um acontecimento catastrófico."

Sem querer utilizar-me de justificativas para toda e qualquer matéria sobre o caso, é importante dizer o quanto é complicada para o jornalismo a cobertura de fatos com tal grau de horror e dramaticidade, como este de Santa Maria. Ao tratar do tema, não é difícil que a cobertura desbanque para a sensação, a emoção, o drama. Jornalistas são cidadãos como quaisquer outros, se emocionam, choram e sofrem da mesma maneira que outras pessoas mesmo conscientes de que precisam ser objetivos e de que precisam ter o equilíbrio suficiente para produzir um relato que não seja sustentado somente na emoção e na percepção pessoal do horror. Racional e emocional são separáveis? Geralmente eles andam juntos nas narrativas jornalísticas sobre eventos trágicos.

Charge que circulou pelo Facebook nos dias seguintes à tragédia da Kiss


Ouvi reclamações sobre a cobertura televisiva. Acredito que houve abusos, exageros, falta de tato de muitos profissionais. No Facebook, um dos meus amigos, que perdeu um irmão na tragédia, queixou-se da abordagem de uma equipe de TV a familiares no Hospital Universitário. Realmente, há que se ter muito cuidado no momento de abordar um familiar num momento como esse. Bom senso impera nesse caso, mas infelizmente muitos jornalistas na ânsia de ter que tomar depoimentos e gravar imagens de pessoas chorando, acabam extrapolando os limites éticos e perdendo até a humanidade. Presenciei o momento em que uma mãe, na semana da tragédia, se ajoelha e grita em frente à boate. Neste instante, o repórter e o cinegrafista de uma grande rede de tv brasileira, que estavam um pouco distante do ato, correm enlouquecidos para gravar a cena. Uma coisa lamentável de se perceber. Outra amiga chamou a atenção para a quantidade de fotografias de pessoas chorando publicadas em jornal local, o que considerou como um aspecto sensacionalista da cobertura. Pode ser. Como retratar o drama de um velório coletivo sem mostrar o choro das famílias...será mais agressivo e sensacionalista mostrar os caixões dispostos um ao lado do outro. Como  utilizar uma imagem informativa, mas que não seja chocante? Como se relata tanta dor e sofrimento? A todo momento, nos confrontamos com situações como esses na profissão. E a dificuldade de construir um relato não sensacionalista é ainda maior quando o próprio fato, a informação principal, já é dramática em si.

É claro que existem programas de televisão especializados no uso da linguagem sensacionalista, como caso do programa Balango Geral, da Record, citado como um exemplo no artigo da Professora Márcia. Há também apelos sensacionalistas no programa do Faustão, da Ana Maria Braga, da Sônia Abraao, da Luciana Gimenez, entre outros. E aqui não vale também usar a famosa "busca pela audiência" como justificativa para matérias que exploram o sofrimento humano somente com o objetivo de chamar a atenção, de apelar, de dramatizar sem problematizar, sem refletir, sem mesmo informar. Ainda bem que hoje existem as redes sociais e a internet para darem voz às críticas desses programas, para ampliar a indignação e provocar a reflexão sobre as práticas da nossa mídia. E quando digo nossa mídia, me incluo e incluo a sociedade porque não acredito na separação mídia e sociedade. A mídia não é um ser apartado do social, ela é um braço desse social, se alimenta dele e também o alimenta.

Esta foto publicada com destaque pelo Diário de Santa Maria e sites do grupo RBS  foi alvo de polêmica nas redes sociais. Imagem sensacionalista?

No site da Carta Capital, o jornalista Aurélio Munhoz faz uma violenta crítica ao trabalho da imprensa na cobertura da tragédia da Kiss: "O papel que grande parte da mídia está exercendo diante deste drama humano de proporções colossais, a exemplo do que tem feito em relação a tantos outros, também se revela abjeto e passível de duríssimas críticas. (...) As escolas de jornalismo sérias ensinam, porém, que o tratamento de assuntos desta natureza pressupõe cuidado extremo. Não por acaso. É tênue, muito tênue, o limite que separa a informação de interesse público da notícia convertida em espetáculo com objetivos escusos."

Na contramão das críticas à imprensa, o professor da ECA-USP, Eugênio Bucci, fez, na revista Época, uma reflexão interessante sobre a cobertura, pontuando aspectos positivos do trabalho da mídia.

"Nas últimas duas semanas, você não ouviu falar de outra coisa. O fogo, a fumaça, os mortos de Santa Maria tomaram as capas de revistas, as redes sociais, o rádio, a TV, as primeiras páginas de todos os jornais. O logotipo da boate Kiss, até então uma fachada inexpressiva numa rua do interior gaúcho, ganhou visibilidade de grife global. A Kiss ganhou o status de um signo maligno, macabro, a marca pós-moderna da câmara de gás com música de fundo. Foi ao ar ao lado de velórios improvisados num ginásio de esportes. A desolação, o mau gosto, o grotesco e o horror se combinaram na mais intensa e intensiva cobertura jornalística da temporada. Se tivesse ficado só nisso, só na emoção e nas lágrimas, a cobertura teria sido vã, embora legítima e compreensível. Se tivesse ficado apenas no registro dos pais que enterram filhos, no destino estúpido de uma juventude que morre coletivamente num show de sanfona e fogos de artifício, teria cumprido um papel. Mas seria um papel menor. Teria sido um teatro fúnebre e mais nada.

Desta vez, a imprensa foi além de dar um close no choro fácil dos familiares e amigos. Não se acomodou ao espetáculo pelo espetáculo. Não se satisfez em ecoar os soluços dos que se debruçavam sobre caixões de adolescentes. A imprensa foi mais fundo e, nisso, prestou ao país um serviço que só ela poderia prestar. Em lugar de apenas confortar o país abalado pelo trauma, ela ajudou o país a entender o que causou esse trauma."

O choro, representação maior da tristeza, do sofrimento e do drama em uma tragédia, é  buscado pelos fotógrafos e cinegrafistas, como nessa imagem da revista Veja

Em meio a tantas opiniões diferentes sobre os procedimentos da mídia, seu trabalho, sua forma de abordar os acontecimentos, a certeza de que não precisamos assistir por meio dos veículos de comunicação à exploração irresponsável do luto público, não precisamos de um jornalismo raso e despropositado que pergunte aos envolvidos nas tragédias "como eles estão se sentindo", não precisamos de um jornalismo sem tato, que invada a privacidade das pessoas de forma desrespeitosa, que force deduções, que sobreponha a comoção individual ao contexto dos acontecimentos, que generalize de forma superficial. E ao fazer isso, não estamos defendendo um jornalismo frio, impessoal, desumano, mas querendo que o jornalismo seja realmente jornalismo.

A tragédia da boate Kiss, pela sua dimensão e número de vítimas, ainda vai ser tema de muitas matérias jornalísticas. Algumas importantes e pertinentes, outras inúteis e despropositadas como mostra o texto de Sylvia Moretzsohn, publicado no site Observatório da Imprensa sobre uma reportagem do Estadão referente ao caso de Santa Maria. Um típico exemplo de como os números, tão defendidos pelos jornalistas, e uma aparente "super pauta" que os utiliza podem ser irrelevantes, inúteis.

Fotografias da Tragédia - A emoção e o drama, além de poderem ser descritos no texto ou mostrados em uma imagem de televisão cristalizam-se de forma muito intensa nas fotografias. Abaixo estão dois links de fotos da tragédia.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Cidade de luto: Santa Maria, 27 de janeiro de 2013. #tragédiaboatekiss

Sofrimento coletivo, tristeza, perplexidade, horror!
Santa Maria vive a dor...

Na minha cidade, onde eu moro há 14 anos, onde eu me formei, onde eu trabalho, onde eu tenho tantos amigos, morreram 231 jovens em uma noite só. Era dia 27 de janeiro de 2013. Data que jamais será esquecida por todos nós que moramos e temos família aqui e por todos que tem alguma ligação com a cidade.

Cidade universitária, das festas, das junções,dos bares e das boates, onde a noite é movimentada, onde os jovens se reúnem também na rua, para se encontrarem, beberem, festejarem...
Nessa cidade de oito universidades, de vida noturna intensa, de juventude, uma tragédia assim choca, traumatiza, fere profundamente a alma de todos. Santa Maria está devastada desde domingo.


Em torno de cinco horas da madrugada do dia 27 recebi uma ligação da minha irmã, perguntando desesperadamente se eu estava em casa, pois um grande incêndio estaria ocorrendo em uma boate da cidade. Depois de tranquilizá-la, fui ao Facebook onde já estavam sendo divulgadas algumas mensagens que falavam em 20 mortos, e liguei o rádio que já transmitia informações da frente da Boate Kiss. Ao longo do dia, ouvir o rádio se tornou assustador. Perto das 10 da manhã, o rádio já informava que o número de vítimas fatais passaria de cem.
Foto: Jornal A Razão
Com terror, ouvimos que os mortos eram 231. Feridos passam de cem. Meu irmão, que trabalha no SAMU fez um relato do horror. Ele foi um dos primeiros a chegar para prestar o socorro. Ao chegar em casa, depois de horas de atendimento aos feridos, Pedro sentou no sofá e chorou muito. Médico jovem com alguns anos de profissão, conta que não será mais a mesma pessoa depois de enxergar tantos mortos na sua frente, tanta gente desesperada...tanto horror...O socorro às vítimas foi feito da melhor forma possível com centenas de pessoas engajadas no atendimento. Dezenas de médicos, enfermeiros e outros profissionais deixaram suas casas para irem aos hospitais atender aos feridos.

Incrédula ainda, passei o domingo ouvindo na rádio, na internet ou vendo televisão em busca de informação, de notícias, de explicações para tamanha tragédia. Chocada e perplexa, não conseguia me mover muito, sair desse estado de pavor pra fazer algo concreto. A solidariedade e compaixão das pessoas daqui foram incríveis. Cheguei a ir ao CDM - onde estava ocorrendo a identificação dos corpos e os velórios coletivos - no final da tarde de domingo. Levei mantimentos requeridos, fui me cadastrar como voluntários, mas não havia necessidade de mais pessoas. Havia muita gente por lá ajudando e confortando as pessoas.

Todo mundo seu as mãos e vivem juntos a dor. A sensação é de que isto não está acontecendo. Parece um pesadelo difícil de acreditar, que vai passar logo. Mas a realidade é dura, é cruel, é absurda e inexplicável. Aconteceu, sim! 236 (até o dia 01/02) vítimas do incêndio na boate. Perplexidade e horror que nos fazem buscar informações e notícias a todo momento.

Na segunda-feira à tarde, pessoas rezavam em culto ecumênico organizado na Praça. Pela noite, a caminhada do luto, chamada pelo facebook, mobilizou 35 mil pessoas. Vestidos de branco, com faixas pedindo justiça, fotos, flores, balões e lanternas, a multidão saiu da Praça e foi até o CDM rezando e batendo palmas em intervalos de minutos. Silêncio, tristeza no rosto das pessoas, indignação, incompreensão diante de um fato tão brutal e inaceitável.

Foi surreal perceber a presença da imprensa nacional e internacional na minha cidade. Foi surreal acompanhar os telejornais com âncoras apresentando a edição ao vivo, da frente da Boate Kiss. Fotógrafos, câmeras por todos os lados, repórteres falando em outras línguas...Gente!! Isso está acontecendo em Santa Maria? era o que eu me perguntava o tempo todo, ainda tentando compreender uma realidade difícil de aceitar como verdadeira.

Na terça-feira, jovens organizaram um protesto por justiça. Com saída da Câmara de Vereadores, o grupo, formado por quase 400 pessoas, foi até a Prefeitura cobrar medidas e gritar por justiça. Enquanto a mobilização ocorria, a Prefeitura concedia entrevista coletiva a imprensa local, nacional e internacional. Os últimos dias tem sido de explicações e entrevistas em quantidade da Prefeitura, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros...Todos anseiam pela apuração das responsabilidades! É hora de apontar culpados. Depois do choro, da comoção, da dor da perda, vem a revolta, a raiva, a indignação e a busca pela justiça.

Foto: Zero Hora
Na quarta-feira, em direção ao centro da cidade, passei pela rua da Boate, ainda interditada para circulação de veículos. Flores, cartazes e faixas cobrem o chão...pessoas rezam e prestam homenagens. Sentada no chão, uma mãe gritava pela filha enquanto era assistida por dezenas de populares, fotografada e filmada pelas redes de televisão que fazem vigília no local.

Foto: jornal A Razão
Comoção, comoção, comoção, muito estimulada, é claro, pela cobertura midiática. Enquanto alguns veículos divulgam matérias sérias, que tentam transmitir a todos o horror relatado, outros exploram a tragédia da forma mais grotesca possível. Impossível não haver sensacionalismo de algumas emissores em casos como este. É muita ânsia pra divulgar informações, muita gente tentando investigar e recolher informações confiáveis...Difícil filtrar, compreender e formular conclusões com tanta notícia sendo produzida o tempo todo. Difícil escolher no que confiar realmente...No Facebook, se debate sobre a mídia, se aponta o dedo e se critica. O mundo se volta para cá e fala sobre a cidade.

Como eu disse, parece um pesadelo sem fim. A cidade está triste, ninguém sai na rua. O silêncio só foi um pouco quebrado na noite de quarta-feira, com o jogo do Grêmio. Parece que felicidade virou constrangimento, que qualquer tipo de festejo virou desrespeito às vítimas, a música não faz mais parte do cotidiano.
Um profundo abatimento caiu sobre Santa Maria depois da tragédia. Só se fala nisso, só se conversa sobre isso, só se pensa nisso, e só se vive isso de uma forma ou de outra.

Arco da UFSM: #LUTO

O recomeço vai ser difícil. Os desdobramentos começam a afetar a todos. Cancelamento de festas de carnaval, de shows, de festas...Na quinta-feira a Prefeitura cumpriu o decreto anunciado e fechou quase todos os bares e estabelecimentos noturnos da cidade com a justificativa de verificar a situação dos alvarás. Não quiserem saber se estavam regulares ou não. Todos os lugares de divertimento foram fechados. Na busca pela resposta e ação imediata, tão cobrada pela sociedade, a Prefeitura se desespera e acaba cometendo arbitrariedades que afetam e prejudicam a todos.

O recomeço vai ser muito difícil. As aulas na Universidade, que perdeu mais de cem alunos, iniciam segunda-feira em clima de tristeza e comoção.
Muito lentamente, se tenta voltar a uma normalidade sabendo que talvez a vida por aqui nunca mais volte a ser como antes.
E isso tudo aconteceu tão perto de mim...
E é isso mesmo. Nada será como antes. O luto é temporário e seu fim é também necessário para o seguir adiante, mas esse fato tão triste e devastador vai ficar na memória de todos.



#forçaSantaMaria


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Ida ao dentista

Inevitável. Tinha que ir. Uma das metas a que tinha se proposto para 2012 era fazer revisão nos dentes.  Tinha dificuldades em cumprir metas e essa era meio ridícula, sim, mas fazia parte da lista fatídica de "resoluções pessoais"; afinal estava com dentes amarelos e feios, com cáries devido ao uso insuficiente do fio dental.



No caminho ao consultório, pensava nessas pequenas coisas chatas na vida. Envolver-se consigo mesmo, cuidar dos dentes, usar antisséptico bucal, creme dental especial, fazer clareamento. Estética. Sempre ela, orbitando em torno de nós e nos obrigando a fazer coisas que melhorem nossa aparência.

Chegou lá e sentou naquela cadeira confortável do dentista, em frente à janela. De onde estava dava pra ver um pouco da paisagem urbana. Prédios, carros, lojas; o mundo acontecendo fora dali enquanto eu aguardava o início dos trabalhos dentários. Achou até que poderia relaxar um pouco, mas a luz na cara dissipou logo a ideia.

A disfunção na Articulação Temporomandibular (ATM) que tinha descoberto há alguns anos dificultava a vida do dentista, que tinha que acelerar o trabalho para evitar que ficasse com a boca aberta durante muito tempo. Anestesia, broca, disco de polimento, gancho, lixa, borrachinha, pistola de luz...Um pequeno arsenal do terror é utilizado numa simples restauração. Cada um com suas exatas funções e ordem de ação. Admirava o profissional que sabia usar tudo aquilo com eficiência. E pensava que nunca, nem que nascesse novamente, conseguiria usar aquelas coisinhas.

Conseguiu relaxar na cadeira por um tempo enquanto o tratamento tinha continuidade. Com a boca suspensa, a mente viajou. Pensou no texto que poderia escrever sobre as banalidades da sua vida quando chegasse em casa. Pensou naquela garota que morava em outra cidade. Pensou na família. E nas outras metas de 2012 que ainda tinha que cumprir, mas que estava sem motivação pra isso. Pensou no mês de agosto e na sensação de que o tempo passava mais rápido do que deveria.

Despertou dos pensamentos com o barulho da broca. Depois de uma hora e meia, o serviço havia terminado. Sem mastigar do lado do dente tratado por 24h. Sem chimarrão, café ou vinho tinto. Ouviu as orientações e consentiu, mas sabia que não conseguiria obedecer a todas elas completamente. Sempre esquecia de alguma coisa. Não abria mão do café.

Ficou cansado. No retorno para casa, o sol trouxe pensamentos otimistas para o final da manhã. Sentiu-se bem.

sábado, 30 de junho de 2012

Sujo, mundano, delirante

Eu gosto de narrativas ficcionais bem inspiradas na realidade- paradoxo literário porque ficção seria a não realidade. Enfim...
Não falo do romance histórico; acho alguns meio monótonos; não curto ficção que exagera na precisão de datas, nomes de lugares, fatos...
Aprecio tramas bem mundanas, humanas no sentido bom e no perverso também, com personagens "podres", maliciosos, melancólicos, irônicos, sarcásticos, cruéis consigo mesmo; verdadeiros "losers".

Muitos destes protagonistas são escritores mais velhos, de meia idade, desapaixonados já da vida, em busca de sentidos para uma vivência já desgastada; Erotizados, observam e analisam a vida sob uma perspectiva de quem já passou por tudo; ou correm atrás da vida, atrás do tempo, atrás do que realmente importa, atrás da recuperação das coisas que foram significantes, ou simplesmente enxergam a vida com tédio e enfado, glamorizam a própria infelicidade, colocando-se no topo do ranking dos seres humanos inúteis, que perderam completamente a moral.


São assim algumas obras de Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna, Philip Roth, João Gilberto Noll, entre vários outros. Estes foram os que li. Escritores maravilhosos que constroem personagens tão profundamente humanos, tão fodidos na vida, tão perdidos nos acontecimentos, tão sufocados, tão filósofos de boteco...
tão fascinantes...

Acabo de ler mais um livro desse gênero de personagem: "tô fudido mesmo então só me resta contemplar, reclamar e trepar". Histórias banais relatadas por um protagonista totalmente "flâneur" fazem o leitor imaginar como seria viver em uma Havana quente, pobríssima e fétida. "O insaciável homem-aranha" (Cia das Letras, 2004), do cubano Pedro Juan Gutiérrez é ficção subversiva, com linguagem ferina,suada, obscena, livre.... Pode chocar os mais românticos. Pode perturbar.





A orelha do livro já sinaliza o perfil do contador de histórias:  Flâneur sem vintém, erotômano assumido, seu narrador astuto e vertiginoso arrisca-se com estes relatos num percurso interior em que a literatura é seu guia e também sua perdição. O resultado é um livro desconcertante sobre uma situação extrema em que todos estão despidos de quase tudo e em que o sexo e o desregramento são o veículo do cinismo, da degradação, do heroísmo e da vontade de sobreviver.

Em meio a um ambiente hostil - uma cidade sufocada pelo calor, um apartamento de oito andares sem elevador, um casamento já fracassado, uma vida limitada pela falta de dinheiro - o protagonista tenta sobreviver, buscando o sexo e o entopercimento - muito rum - para passar os dias.

A Havana de Gutiérrez é a Havana de Gutiérrez, pois se trata de uma ficcção. Não cabe a mim como leitora questionar os relatos, duvidar da construção da narrativa. O que importa é que o contexto político-social presente nesta cidade, no ambiente, nos vizinhos, nas pessoas com quem este narrador se relaciona ou convive o atingem diretamente e acompanham seu estado permanente de angústia, de divagação, de mau humor, de degradação...

"É evidente que abandonei a infância há tempo demais. Estou transformado em O ADULTO HOMEM-ARANHA. Sem imaginação, sem senso de humor. Se me fizerem um teste psicológico seguramente vão encontrar grandes doses de veneno nas glândulas dos meus caninos. Desejos insatisfeitos de assassinar e bater, e uma sexualidade excessiva. Com cinquenta anos devia ser mais realista e equânime. O sexo me tortura".

É claro que o narrador-escritor atormentado, cansado da vida, despuradorado ou mesmo tarado, não é uma novidade na literatura. Essa narrativa metalinguística, de desabafo, que nos faz confundir narrador com escritor, é construída das formas mais diversas pelos mais diferentes autores.

O sujeito desregrado de "O insaciável homem-aranha" - escrito em primeira pessoa do singular - pega o leitor pela mão e o convence a mergulhar junto em suas delírios e fantasias, provoca requintada imaginação ao descrever os ambientes, as pessoas, as situações; faz o leitor identificar-se com os sentimentos e pensamentos que tratam de estados físicos, afetivos e emocionais, de relações humanos, de modelos sociais...faz o leitor pensar como o ser humano é complexo, bizarro, estranho...

Respeito o puro entretenimento, mas Literatura pra mim tem que perturbar, mexer com o íntimo...e Gutiérrez conseguiu fazer isso comigo.





terça-feira, 26 de junho de 2012

Fora do FdE, mas ligada nas redes

Impressionante como podem ocorrer tantas reviravoltas em poucos meses...
Sabe esta postagem abaixo aí, de dezembro de 2011, falando do Congresso Fora do Eixo? Fui ao congresso, gostei de quase tudo. Mas hoje não faço mais parte do Circuito.
Coisas da vida...
Terminei o Mestrado e me joguei nisso, queria muito participar ativamente do Macondo Coletivo, que integrava o FdE, trabalhar com comunicação, produção cultural, música, cinema...

Fui ao Congresso em dezembro, comecei a participar do grupo de Mídia da rede, contribuir para a redação da News da Regional Sul, para a produção de eventos integrantes da rede, para a divulgação de iniciativas culturais relevantes. Participei de Festivais de Música representando o Circuito, fiz parte de equipes de cobertura colaborativa.

Mesmo admirando, respeitando e tendo orgulho de integrar uma rede tão importante para a cultura do País, eu tinha algumas críticas a certos procedimentos, coisas que eu não curtia, ideologias com as quais eu não me identificava. NORMAL!
E maio, fui ao congresso da Regional, que ocorreu de 28 de abril a 1º de maio, e aí...PÉIN! Desmotivei...estímulo zero. Senti que faltava diálogo...da minha parte, da parte de todos...Não me senti parte daquilo tudo...tentei, mas não deu. E não culpo ninguém.

Eu credito o meu afastamento do Fora do Eixo a mim e à rede. São os dois responsáveis. Não compactuo com tudo que o Fora do Eixo compactua, não concordo com tudo que é feito pela rede e na rede. Assim como eu tenho minhas incoerências e contradições, o FdE também tem as suas. Assim como eu tenho inúmeros defeitos, o FdE também tem os seus. Mas eu admito o meu caráter contraditório, até publicamente,  Já o FdE...

Eu não posso fazer parte de uma rede onde eu não me sinto à vontade de contestar ou fazer uma crítica, mesmo construtiva, sem ser rotulada de "desagregadora", "não posicionada" ou "não propositiva". Por mais que a rede se afirme como livre, aberta, dialógica e acolhedora, essa abertura não foi sentida por mim no dia-a-dia de convívio da rede. 

Fui "fortemente" cobrada e questionada por "curtir" no Facebook manifestações de pessoas críticas à Rede, por não optar em sempre agir "blocada", por apoiar outros projetos e princípios que não pertencem, ou mesmo se opõem, ao campo de ideias defendido pelo Fora do Eixo. Também não quero pertencer a uma rede apenas para construir um "lastro", que serve somente para legitimação pessoal de cada indivíduo dentro do Circuito sem consonância com o trabalho real ou com a prática realizados por este em seu território.

Eu não quero privar-me de minha identidade, individualidade, autonomia e criticidade. E vi gente perder isso para estar na rede. Eu vi gente ficar totalmente formatada num pensamento.

Minha experiência no Fora do Eixo foi incrível. Fiz muitas coisas legais, conheci pessoas fantásticas e vivenciei fatos interessantíssimas. Aprendi muita coisa. Agradeço à rede por isso. Mas eu não me via ali...Foi um namoro, não tão apaixonado, talvez, que terminou;

Hoje visualizo outras redes e possibilidades de ações mais abertas à crítica, à diversidade de pensamento. Prefiro despender minha energia no território, sem imposições de conduta, sem preocupações excessivas com números e propagandas.

E não fui só eu que tive as mesmas impressões e opiniões sobre o Circuito. Não estou sozinha. Outras pessoas, também insatisfeitas, se afastaram em muitas outras ainda deverão se afastar, pelos motivos mais diversos.

Não espero que me compreendam. Não mesmo.

Hoje, pertenço ao Catatau Coletivo (ex-Macondo Coletivo) que não faz mais parte da rede conforme carta divulgada no final de semana:



CARTA PÚBLICA DE DESADESÃO AO CIRCUITO FORA DO EIXO

O Catatau Coletivo de Santa Maria/RS, antigo Macondo Coletivo, informa sua desadesão ao Circuito Fora do Eixo. Optamos por nos afastar da Rede após a Imersão da Regional Sul, que ocorreu do dia 28 de abril a 1º de maio.

O Macondo Coletivo integrou o Circuito Fora do Eixo por dois anos, contribuindo para o fortalecimento da Rede com a realização de atividades como Noite Fora do Eixo, Grito Rock e SEDA (Semana do Audiovisual). Foi um dos primeiros a desenvolver a Cobertura Colaborativa em festivais independentes do país, prestando assessoria para eventos locais, como FETISM (Festival de Teatro Independente de Santa Maria), Festival de Artes Integradas Macondo Circus, bem como colaborando em outros festivais do Circuito.

No entanto, em abril de 2012, ao se deparar com novas perspectivas de ações e com a realidade na qual se encontrava, o Macondo Coletivo passou a assinar como Catatau Coletivo, com o intuito de fortalecer sua autonomia e de não se prender a modelos de estrutura organizacional. Assim, pretendemos continuar envolvidos com iniciativas colaborativas de produção cultural, de cobertura e assessoria de eventos e festivais independentes, de exibições cineclubistas e sempre abertos a parcerias diversas.
Um novo sentido: http://bit.ly/Mrt9OD


Sigo conectada, sigo ligada nas redes!