terça-feira, 7 de agosto de 2012

Ida ao dentista

Inevitável. Tinha que ir. Uma das metas a que tinha se proposto para 2012 era fazer revisão nos dentes.  Tinha dificuldades em cumprir metas e essa era meio ridícula, sim, mas fazia parte da lista fatídica de "resoluções pessoais"; afinal estava com dentes amarelos e feios, com cáries devido ao uso insuficiente do fio dental.



No caminho ao consultório, pensava nessas pequenas coisas chatas na vida. Envolver-se consigo mesmo, cuidar dos dentes, usar antisséptico bucal, creme dental especial, fazer clareamento. Estética. Sempre ela, orbitando em torno de nós e nos obrigando a fazer coisas que melhorem nossa aparência.

Chegou lá e sentou naquela cadeira confortável do dentista, em frente à janela. De onde estava dava pra ver um pouco da paisagem urbana. Prédios, carros, lojas; o mundo acontecendo fora dali enquanto eu aguardava o início dos trabalhos dentários. Achou até que poderia relaxar um pouco, mas a luz na cara dissipou logo a ideia.

A disfunção na Articulação Temporomandibular (ATM) que tinha descoberto há alguns anos dificultava a vida do dentista, que tinha que acelerar o trabalho para evitar que ficasse com a boca aberta durante muito tempo. Anestesia, broca, disco de polimento, gancho, lixa, borrachinha, pistola de luz...Um pequeno arsenal do terror é utilizado numa simples restauração. Cada um com suas exatas funções e ordem de ação. Admirava o profissional que sabia usar tudo aquilo com eficiência. E pensava que nunca, nem que nascesse novamente, conseguiria usar aquelas coisinhas.

Conseguiu relaxar na cadeira por um tempo enquanto o tratamento tinha continuidade. Com a boca suspensa, a mente viajou. Pensou no texto que poderia escrever sobre as banalidades da sua vida quando chegasse em casa. Pensou naquela garota que morava em outra cidade. Pensou na família. E nas outras metas de 2012 que ainda tinha que cumprir, mas que estava sem motivação pra isso. Pensou no mês de agosto e na sensação de que o tempo passava mais rápido do que deveria.

Despertou dos pensamentos com o barulho da broca. Depois de uma hora e meia, o serviço havia terminado. Sem mastigar do lado do dente tratado por 24h. Sem chimarrão, café ou vinho tinto. Ouviu as orientações e consentiu, mas sabia que não conseguiria obedecer a todas elas completamente. Sempre esquecia de alguma coisa. Não abria mão do café.

Ficou cansado. No retorno para casa, o sol trouxe pensamentos otimistas para o final da manhã. Sentiu-se bem.

sábado, 30 de junho de 2012

Sujo, mundano, delirante

Eu gosto de narrativas ficcionais bem inspiradas na realidade- paradoxo literário porque ficção seria a não realidade. Enfim...
Não falo do romance histórico; acho alguns meio monótonos; não curto ficção que exagera na precisão de datas, nomes de lugares, fatos...
Aprecio tramas bem mundanas, humanas no sentido bom e no perverso também, com personagens "podres", maliciosos, melancólicos, irônicos, sarcásticos, cruéis consigo mesmo; verdadeiros "losers".

Muitos destes protagonistas são escritores mais velhos, de meia idade, desapaixonados já da vida, em busca de sentidos para uma vivência já desgastada; Erotizados, observam e analisam a vida sob uma perspectiva de quem já passou por tudo; ou correm atrás da vida, atrás do tempo, atrás do que realmente importa, atrás da recuperação das coisas que foram significantes, ou simplesmente enxergam a vida com tédio e enfado, glamorizam a própria infelicidade, colocando-se no topo do ranking dos seres humanos inúteis, que perderam completamente a moral.


São assim algumas obras de Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna, Philip Roth, João Gilberto Noll, entre vários outros. Estes foram os que li. Escritores maravilhosos que constroem personagens tão profundamente humanos, tão fodidos na vida, tão perdidos nos acontecimentos, tão sufocados, tão filósofos de boteco...
tão fascinantes...

Acabo de ler mais um livro desse gênero de personagem: "tô fudido mesmo então só me resta contemplar, reclamar e trepar". Histórias banais relatadas por um protagonista totalmente "flâneur" fazem o leitor imaginar como seria viver em uma Havana quente, pobríssima e fétida. "O insaciável homem-aranha" (Cia das Letras, 2004), do cubano Pedro Juan Gutiérrez é ficção subversiva, com linguagem ferina,suada, obscena, livre.... Pode chocar os mais românticos. Pode perturbar.





A orelha do livro já sinaliza o perfil do contador de histórias:  Flâneur sem vintém, erotômano assumido, seu narrador astuto e vertiginoso arrisca-se com estes relatos num percurso interior em que a literatura é seu guia e também sua perdição. O resultado é um livro desconcertante sobre uma situação extrema em que todos estão despidos de quase tudo e em que o sexo e o desregramento são o veículo do cinismo, da degradação, do heroísmo e da vontade de sobreviver.

Em meio a um ambiente hostil - uma cidade sufocada pelo calor, um apartamento de oito andares sem elevador, um casamento já fracassado, uma vida limitada pela falta de dinheiro - o protagonista tenta sobreviver, buscando o sexo e o entopercimento - muito rum - para passar os dias.

A Havana de Gutiérrez é a Havana de Gutiérrez, pois se trata de uma ficcção. Não cabe a mim como leitora questionar os relatos, duvidar da construção da narrativa. O que importa é que o contexto político-social presente nesta cidade, no ambiente, nos vizinhos, nas pessoas com quem este narrador se relaciona ou convive o atingem diretamente e acompanham seu estado permanente de angústia, de divagação, de mau humor, de degradação...

"É evidente que abandonei a infância há tempo demais. Estou transformado em O ADULTO HOMEM-ARANHA. Sem imaginação, sem senso de humor. Se me fizerem um teste psicológico seguramente vão encontrar grandes doses de veneno nas glândulas dos meus caninos. Desejos insatisfeitos de assassinar e bater, e uma sexualidade excessiva. Com cinquenta anos devia ser mais realista e equânime. O sexo me tortura".

É claro que o narrador-escritor atormentado, cansado da vida, despuradorado ou mesmo tarado, não é uma novidade na literatura. Essa narrativa metalinguística, de desabafo, que nos faz confundir narrador com escritor, é construída das formas mais diversas pelos mais diferentes autores.

O sujeito desregrado de "O insaciável homem-aranha" - escrito em primeira pessoa do singular - pega o leitor pela mão e o convence a mergulhar junto em suas delírios e fantasias, provoca requintada imaginação ao descrever os ambientes, as pessoas, as situações; faz o leitor identificar-se com os sentimentos e pensamentos que tratam de estados físicos, afetivos e emocionais, de relações humanos, de modelos sociais...faz o leitor pensar como o ser humano é complexo, bizarro, estranho...

Respeito o puro entretenimento, mas Literatura pra mim tem que perturbar, mexer com o íntimo...e Gutiérrez conseguiu fazer isso comigo.





terça-feira, 26 de junho de 2012

Fora do FdE, mas ligada nas redes

Impressionante como podem ocorrer tantas reviravoltas em poucos meses...
Sabe esta postagem abaixo aí, de dezembro de 2011, falando do Congresso Fora do Eixo? Fui ao congresso, gostei de quase tudo. Mas hoje não faço mais parte do Circuito.
Coisas da vida...
Terminei o Mestrado e me joguei nisso, queria muito participar ativamente do Macondo Coletivo, que integrava o FdE, trabalhar com comunicação, produção cultural, música, cinema...

Fui ao Congresso em dezembro, comecei a participar do grupo de Mídia da rede, contribuir para a redação da News da Regional Sul, para a produção de eventos integrantes da rede, para a divulgação de iniciativas culturais relevantes. Participei de Festivais de Música representando o Circuito, fiz parte de equipes de cobertura colaborativa.

Mesmo admirando, respeitando e tendo orgulho de integrar uma rede tão importante para a cultura do País, eu tinha algumas críticas a certos procedimentos, coisas que eu não curtia, ideologias com as quais eu não me identificava. NORMAL!
E maio, fui ao congresso da Regional, que ocorreu de 28 de abril a 1º de maio, e aí...PÉIN! Desmotivei...estímulo zero. Senti que faltava diálogo...da minha parte, da parte de todos...Não me senti parte daquilo tudo...tentei, mas não deu. E não culpo ninguém.

Eu credito o meu afastamento do Fora do Eixo a mim e à rede. São os dois responsáveis. Não compactuo com tudo que o Fora do Eixo compactua, não concordo com tudo que é feito pela rede e na rede. Assim como eu tenho minhas incoerências e contradições, o FdE também tem as suas. Assim como eu tenho inúmeros defeitos, o FdE também tem os seus. Mas eu admito o meu caráter contraditório, até publicamente,  Já o FdE...

Eu não posso fazer parte de uma rede onde eu não me sinto à vontade de contestar ou fazer uma crítica, mesmo construtiva, sem ser rotulada de "desagregadora", "não posicionada" ou "não propositiva". Por mais que a rede se afirme como livre, aberta, dialógica e acolhedora, essa abertura não foi sentida por mim no dia-a-dia de convívio da rede. 

Fui "fortemente" cobrada e questionada por "curtir" no Facebook manifestações de pessoas críticas à Rede, por não optar em sempre agir "blocada", por apoiar outros projetos e princípios que não pertencem, ou mesmo se opõem, ao campo de ideias defendido pelo Fora do Eixo. Também não quero pertencer a uma rede apenas para construir um "lastro", que serve somente para legitimação pessoal de cada indivíduo dentro do Circuito sem consonância com o trabalho real ou com a prática realizados por este em seu território.

Eu não quero privar-me de minha identidade, individualidade, autonomia e criticidade. E vi gente perder isso para estar na rede. Eu vi gente ficar totalmente formatada num pensamento.

Minha experiência no Fora do Eixo foi incrível. Fiz muitas coisas legais, conheci pessoas fantásticas e vivenciei fatos interessantíssimas. Aprendi muita coisa. Agradeço à rede por isso. Mas eu não me via ali...Foi um namoro, não tão apaixonado, talvez, que terminou;

Hoje visualizo outras redes e possibilidades de ações mais abertas à crítica, à diversidade de pensamento. Prefiro despender minha energia no território, sem imposições de conduta, sem preocupações excessivas com números e propagandas.

E não fui só eu que tive as mesmas impressões e opiniões sobre o Circuito. Não estou sozinha. Outras pessoas, também insatisfeitas, se afastaram em muitas outras ainda deverão se afastar, pelos motivos mais diversos.

Não espero que me compreendam. Não mesmo.

Hoje, pertenço ao Catatau Coletivo (ex-Macondo Coletivo) que não faz mais parte da rede conforme carta divulgada no final de semana:



CARTA PÚBLICA DE DESADESÃO AO CIRCUITO FORA DO EIXO

O Catatau Coletivo de Santa Maria/RS, antigo Macondo Coletivo, informa sua desadesão ao Circuito Fora do Eixo. Optamos por nos afastar da Rede após a Imersão da Regional Sul, que ocorreu do dia 28 de abril a 1º de maio.

O Macondo Coletivo integrou o Circuito Fora do Eixo por dois anos, contribuindo para o fortalecimento da Rede com a realização de atividades como Noite Fora do Eixo, Grito Rock e SEDA (Semana do Audiovisual). Foi um dos primeiros a desenvolver a Cobertura Colaborativa em festivais independentes do país, prestando assessoria para eventos locais, como FETISM (Festival de Teatro Independente de Santa Maria), Festival de Artes Integradas Macondo Circus, bem como colaborando em outros festivais do Circuito.

No entanto, em abril de 2012, ao se deparar com novas perspectivas de ações e com a realidade na qual se encontrava, o Macondo Coletivo passou a assinar como Catatau Coletivo, com o intuito de fortalecer sua autonomia e de não se prender a modelos de estrutura organizacional. Assim, pretendemos continuar envolvidos com iniciativas colaborativas de produção cultural, de cobertura e assessoria de eventos e festivais independentes, de exibições cineclubistas e sempre abertos a parcerias diversas.
Um novo sentido: http://bit.ly/Mrt9OD


Sigo conectada, sigo ligada nas redes!




Parlare

Sempre preferi o silêncio..

Falar, pra mim, é um esforço. E por que eu fiz jornalismo então? Não sei. Porque gosto mais de ouvir, observar, contemplar, escrever...
E cada vez que eu falo mais que o normal eu me arrependo depois...

Não sei de onde vem isso nem o porquê. Não lembro de ter crescido, pelo menos até os cinco anos, em um ambiente com muitas falas. E isso não é um lamento. Só fui à escola aos sete anos e lá eu senti um choque mesmo. Muita criança falante! Professores que falavam sem parar. Bem cansativo!
Não gostava de falar em sala de aula; não gostava de apresentar trabalho para a turma e foi assim até a faculdade, até a especialização, até o mestrado. E é assim até hoje, até esse minuto...
Falar era expor-se, concentrar atenção em mim; e eu nunca me senti confortável com isso. Problemas psicológicos talvez...

Falar cansa, exige. Exige de mim que tenho que formular a fala de forma que a pessoa entenda, o que nem sempre é fácil porque eu me enrolo bastante, às vezes, pra me expressar ou transmitir uma ideia ou opinião. Exige da pessoa que está me ouvindo, que se distrai logo, desvia a atenção de mim; e não a culpo porque o meu jeito de falar, nada incisivo ou convincente, não atrai mesmo; ao contrário, dispersa. Sou facilmente cortada em minhas falas; deve ser porque falo devagar, de forma entendiante, ou porque me atrapalho e dou a deixa para a interrupção. E aí acontece um fenômeno psico-neuro-linguístico quando alguém me corta e interrompe o meu pensamento: eu desisto de retomar; eu desisto de falar; eu não vou repetir tudo de novo. Não! Eu já tenho falas super curtas no meu dia-a-dia e ainda tenho que retomá-las porque as pessoas me cortam.

Festas- Fico pensando como as pessoas conseguem conversar tanto em baladas com música ao vivo e mil pessoas também conversando em volta. Eu me desespero! Só agonia!
Sério! eu passo por antipática, anti-social, tímida e extremamente chata nesses ambientes porque eu simplesmente NÃO CONSIGO ter uma conversa normal com muito ruído em volta. Eu tenho que fazer um esforço sobrehumano para ouvir e outro pra responder. Então, depois de cinco frases trocadas, eu já estou esgotada e só respondo "aham", "pois é", "sim", "com certeza", "tem isso né"...Eu fico agoniada, invento uma desculpa e saio de perto. Horrível! mas vou fazer o que...Balada é pra observar, dançar e rir. Em bares, sentada e tal eu já preciso me concentrar muito na pessoa porque são vários processos: escutar atentamente o que ela fala, processar para entender o significado, formular mentalmente a resposta e...aff...a pior parte, FALAR!

É complicado porque ocorrem certas situações em que falar, falar muito, seria necessário para a defesa da honra. Mas cadê a motivação? Dia desses passei por um episódio assim. A pessoa colocou o dedo na minha cara, falou horrores - com muita vantagem porque ela tem uma oratória espetacular - e eu praticamente ouvi tudo sem falar. Eu queria sair dali, mas meu ímpeto de ouvir tudo até o final, com a esperança de falar depois, me enraizou no chão. Pouco falei. Na verdade, não disse quase nada. E o mais cômico disso tudo é que o que estava em foco na "conversa" não era o que eu tinha falado alguma vez; era o que eu tinha curtido no Facebook. Porra! Eu não falo, mas o que eu "curto" me trouxe problemas.

Eu sofro por perder chances de falar. Mas depois eu penso, "dane-se".

Há situações em que eu falo demais e falo alto. Mas pode anotar que se isso acontecer é porque não estou no meu estado normal.
#prontoNÃOfalei