quarta-feira, 10 de março de 2010

Enquadramentos

Quando eu posso, escuto o programa Sala de Debates, da Rádio Antena, ao meio-dia. Mediado pelo jornalista Claudemir Pereira, o programa conta com mais quatro convidados que mudam a cada dia da semana. Gosto de ouvir, porque é um espaço de discussão sobre a cidade. Há dias em que o programa está ótimo. Outros, dependendo dos convidados, me fazem exercitar a minha irritação. Tudo bem. Faz parte da rotina jornalística estes altos e baixos de programas de debates.

Hoje, os convidados criticavam aqueles gritos de guerra dos bixos da UFSM que dizem "au, au, au, passei na Federal...". Compartilho da mesma opinião que os participantes sobre o quão ridículo é escutar essa idiotice na rua. A partir disso, foi levantado pelos convidados que existem profissionais bons e ruins de instituições públicas e privadas. Concordo, mas o que eu quero falar aqui é sobre uma ideia pré-concebida que já ouvi do Claudemir no programa, mais de uma vez, e que ele repetiu hoje. E que me provoca muito:

Pelo que me lembre, o Claudemir afirmou que o curso de Jornalismo da UFSM prepara os alunos para a academia; e o curso de Jornalismo da UNIFRA prepara os alunos para o mercado. Desculpe-me, Claudemir, mas não posso concordar com este tipo de enquadramento que reduz a formação das duas instituições.
Como jornalista formada pela UFSM e como profissional que já trabalhou com alunos da UNIFRA, além de ter feito uma especialização nessa instituição, não compartilho com tua opinião, apesar de respeitá-la.

Na Câmara de Vereadores de Santa Maria, tive contato com estagiários da UFSM e da UNIFRA. Trabalhei com ótimos alunos de ambas instituições e não posso afirmar que os da UNIFRA eram mais práticos ou mais preparados, em termos de mercado, do que os da UFSM. Também não diria que os estagiários da UFSM eram mais "acadêmicos" e mais desplugados das práticas profissionais de mercado que os da UNIFRA. Em 2008, em igual número, alunos da UFSM e da UNIFRA ficaram nas primeiras colocações na seleção de estagiários de jornalismo. Neste ano, se não estou enganada, os quatro primeiros colocados são da UFSM.

Já vi entrevistas péssimas tanto na TV UNIFRA como na TV Campus. Já vi reportagens ótimas na RBS e Pampa de profissionais formados pelas duas instituições.
No Jornal A Razão, trabalhei com excelentes estagiários da UFSM, mas também conheço ótimos profissionais formados pela UNIFRA que estão lá trabalhando.

Afinal, o que é um estudante com perfil acadêmico? É um aluno que pensa mais sobre sua prática? Que teoriza, que se questiona, que questiona o mercado, que questiona o seu curso, que questiona a própria academia? Que é mais crítico? Que reflete um pouco antes de "sair fazendo". Os professores do curso de Jornalismo da UFSM renegam o mercado? Talvez alguns, sim. Outros, com certeza, não. Não existe uma ideologia dominante no curso de formar pesquisadores. O que há é uma preocupação com uma formação integral, que forme profissionais que, de forma crítica e reflexiva, se insiram no mercado, se quiserem, ou sigam outros caminhos que não seja o mercado. Se a UFSM não se importasse com as demandas do mercado, não teria inserido em sua grade curricular, três semestres de Jornalismo Digital, por exemplo.

E o que é um estudante com perfil de mercado? Quem coloca o trabalho acima de tudo, despreza a academia e acredita que absolutamente tudo "se aprende na prática"? Quem acha que é perda de tempo ficar teorizando, que o importante é praticar logo de cara? Quem fica indignado por ter aulas com um professor que "não passou pelo mercado" e por isso não teria autoridade para ensinar coisa alguma? Quem se submete a trabalhar oito horas por dia, ganhando a metade do piso salarial? Quem é mais inteligente, ou mais oportunista? Ou é quem está interessado em associar seus conhecimentos acadêmicos com a prática profissional...

Será que a UNIFRA se preocupa somente em formar futuros trabalhadores "de mercado"? Por conhecer alguns professores dali, afirmo que não.

Por que os alunos da UNIFRA teriam perfil de mercado? Porque tem laboratórios mais bem esquipados e modernos que os da UFSM? Porque estudam à noite e são mais procurados por empregadores em busca de estagiários com tempo? Porque os alunos querem "sair trabalhando e praticando" mesmo que isso signifique faltar um pouco as aulas ou não se dedicar muito naquele trabalho solicitado pelo professor?

Por que a UFSM teria esta tendência mais acadêmica, seja lá o que essa palavra quer dizer.? Porque há mais incentivo aos alunos para a pesquisa? Porque os alunos se envolvem nas assessorias e órgãos da própria instituição? Porque preferem se dedicar mais ao curso e optam por trabalhar depois? Porque selecionam melhor os lugares onde desejam trabalhar?

Sim, muitas perguntas...meras especulações. A questão é complexa e vai além de generalizações...



Eu não tenho subsídios para afirmar categoricamente que há uma diferença do perfil dos alunos da UNIFRA e da UFSM. Para afirmar isso, teria que levantar pesquisas específicas que me comprovassem essa diferença. Mas não é o que vivenciei. Ao meu ver, ambas instituições procuram oferecer uma formação que associe formação acadêmica com preparo profissional.

8 comentários:

  1. Oi, Sil.. boa discussão, muuuito boa. Penso que é, sem entrar em considerações de como o "mercado" vê os profissionais, uma questão ideológica - no sentido institucional. O que não significa inexistirem professores da UFSM preocupados com a formação para o "chão de fábrica" (exemplo mais claro é exatamente o jornalismo digital). Como também é incorreto afirmar que toooodos os docentes da Unifra são "pró-mercado". Enfim, discussão boa... E talvez (o que também não é ruim) interminável. De resto, fico faceiro. Só você, E NINGUÉM MAIS, consegue propor esse tipo de discussão.

    ResponderExcluir
  2. Sim, talvez seja uma questão ideológica, Claudemir. Outra coisa que não abordei foi a postura dos alunos. Discussão interminável mesmo, que envolve vários aspectos.
    Na verdade, quem colocou o assunto em pauta foste tu. Eu só comentei sobre o que ouvi no programa.

    ResponderExcluir
  3. Agora surgiu outra discussão.. jornalista (e veículos) não gosta de ser criticado. Que coisa! Escrevi sobre isso no site agora há pouco. E também no tal de tuiter, ao qual me rendi.. hehehe.. @claudemirpe

    ResponderExcluir
  4. Gostei muito de todas as possibilidades que tu apresentou. Um beijo.

    ResponderExcluir
  5. Ihhh, a discussão é velha, né. Mas acho que a Silvana é uma das pessoas que mais podem dar pitaco sobre o assunto, porque trabalhou bastante com os dois lados. Se o adjetivo "acadêmico" pode ser interpretado como aquele que critica o que faz, e não faz qualquer coisa que lhe empurrem, então a formação da UFSM, mais "acadêmica" na visão do Claudemir, seria muito melhor, porque prepara um jornalista não para ser mais uma peça substituível de uma engrenagem gigantesca e cruel, mas alguém que vai buscar um "algo mais" que o faça ser diferente da mediocridade reinante (e necessária, pois nem só de craques se faz jornalismo).
    Mas eu não concordo com essa coisa de mais ou menos acadêmico, mais ou menos crítico, porque depende muito de cada aluno, e tanto o perfil "acadêmico" quanto o de "mercado" podem ser vistos em ambas instituições. Talvez, e digo talvez mesmo, na UFSM se formem um pouco mais de jornalistas "críticos" por uma decorrência da própria idade do curso e da natureza de uma universidade pública, que tem características diferentes de uma particular. Mas não sei até que ponto isso é de fato verdade, e as vezes meu lado cínico pergunta: mas pra que diabos tu que ser mais "crítico" do que a maioria, e ainda mais no jornalismo, uma "intermediação" gigantesca e obrigatoriamente medíocre (porque procura a objetividade e o "equilíbrio" dos lados) da realidade??

    ResponderExcluir
  6. Leonardo! Obrigada pela excelente contribuição. Teu lado cínico pontua questões bem interessantes.Aliás, às vezes, tu consegue ser mais pessimista do que eu em relação ao jornalismo. Talvez eu esteja sendo romãntica ao acreditar que o jornalista precisa ser mais critico que outras pessoas. Ao meu ver, é uma prerrogativa.Posso concordar que há mediocridade em procurar objetividade da realidade e que a intermediação dilui essa busca. Mas eu acredito ainda que os profissionais formados por uma compreensao crítica e problematizadora da realidade podem fazer a diferença no nosso jornalismo.

    ResponderExcluir
  7. Tem dias que eu fico extremamente pessimista com a profissão, outros nem tanto. As vezes até tomo as duas posições no mesmo dia, como foi o caso. Chega a ser engraçado o que eu escrevi, como se fosse um outro eu, mais rabugento que o normal - que já é rabugento demais. Se eu fosse arrogante soltava um Whitman que dizia
    "Contradigo-me? Pois bem, contradigo-me. Sou amplo. Contenho multidões"
    Mas não sou amplo não, só um perdido mesmo...
    Teu blog continua muito bom, e os comentários do Claudemir são hilários!

    ResponderExcluir
  8. bem, Leonardo,espero que tenha sido um elogio essa história de hilários.. hehehe.. E apareça no meu site tb. E faça teus comentários. Abraço. Ah, e a Silvana é um oásis para a discussão do jornalismo. Eu já sou crítico das posições do mercado. E não necessariamente AO mercado. Se me entende. Ou, explicando (tentando não ser hilário..hehehe)diferente: critíco o resultado, ou a o efeito. Não a causa. Aí é terreno da Sil. Ela anda (muito) bem por ele.

    ResponderExcluir